“E trabalhando como um, é uma corrida que podemos vencer. Vamos todos nos tornar os campeões que o oceano precisa. Vamos acabar com a emergência oceânica e preservar este precioso presente azul para nossos filhos e netos”, pediu o chefe da ONU.
O Secretário-Geral falava a partir do Centro de Ciência Oceânica do Mindelo, em São Vicente, uma instalação de última geração que alberga grandes equipamentos científicos marinhos, como robôs de águas profundas, bem como oficinas de eletrónica e laboratórios de ponta.
Na segunda-feira de manhã, quando o edifício abriu as suas portas aos participantes na Cúpula, serviu como uma manifestação visível da aposta que Cabo Verde está a fazer na dinamização da economia azul do arquipélago.
Olhando através das enormes portas que se abrem para o Porto, o mesmo porto que permitiu a muitos cabo-verdianos sair em busca de uma vida melhor, o primeiro-ministro notou como o oceano costumava descrever um sentimento de saudade e melancolia.
Hoje, explicou Ulisses Correia e Silva, “representa o turismo, a água dessalinizada, a economia azul, os cabos submarinos de fibra ótica, as energias limpas, a biotecnologia, a aquicultura, a indústria conserveira para exportação, um centro de competência e eventos náuticos como a Ocean Race”.
‘O oceano é uma questão de sobrevivência’
Falando à ONU News, a ONU Conselheiro Especial para África, Cristina Duarte, observou que, como Cabo Verde é uma cadeia de 10 ilhas que fica ao largo da costa atlântica da África Ocidental, cerca de 99,3 por cento do território do país é água.
Duarte, que é cabo-verdiana, foi ministra das Finanças, Planeamento e Administração Pública do país de 2006 a 2016. “Podemos ser mais criaturas do oceano do que da terra”, disse ela. “Para Cabo Verde, os oceanos são uma questão de sobrevivência.”
“Então, a sua conservação (deve ser feita) num contexto de gestão de um recurso natural, porque temos de tirar dele o que Cabo Verde precisa de desenvolver. Conservá-lo, mas não esquecer que, para Cabo Verde, é um recurso económico”, explicou Duarte.
Corrida pelo oceano
A Ocean Race zarpou pela primeira vez em 1973, levando velejadores ao redor do mundo a cada três ou quatro anos.
Nas últimas quatro décadas, como a ativista de saúde oceânica Danni Washington observou hoje na Cúpula, os marinheiros veriam essas ilhas à distância, ou correriam pelo meio delas. Às vezes eram mesmo resgatados por cabo-verdianos, mas a corrida nunca tinha feito uma paragem no arquipélago.
Na noite de sexta-feira, o país se tornou a primeira nação da África Ocidental na história da competição a sediar uma escala.
Dirigindo-se à Cúpula, o presidente da competição, Richard Brisius, assegurou ao Secretário-Geral da ONU o compromisso dos participantes com a causa dos oceanos.
“Você tem todos nós na Ocean Race em sua tripulação”, disse ele. “Somos pessoas oceânicas; cuidamos do oceano e estamos apaixonadamente fazendo o nosso melhor.”
Por sua vez, Guterres saudou “a coragem inspiradora de mulheres e homens navegando nesta extenuante regata de seis meses ao redor do mundo”.
Além disso, disse ele, é “também inspirador” saber que cada barco está carregando equipamentos especiais para coletar dados científicos para ajudar a garantir um oceano saudável para o futuro.
Um recurso chave em risco
Para o Secretário-Geral da ONU, a Cimeira foi também uma oportunidade para soar o alarme: “O oceano é vida. O oceano é meio de subsistência. E o oceano está em apuros.”
O chefe da ONU explicou que cerca de 35% dos estoques globais de peixes são superexplorados, o aquecimento global está empurrando as temperaturas dos oceanos para novas alturas, alimentando tempestades mais frequentes e intensas, o aumento do nível do mar e a salinização de terras costeiras e aquíferos.
“Enquanto isso, produtos químicos tóxicos e milhões de toneladas de resíduos plásticos estão inundando os ecossistemas costeiros – matando ou ferindo peixes, tartarugas marinhas, aves marinhas e mamíferos marinhos.abrindo caminho para a cadeia alimentar e, finalmente, sendo consumidos por nós”, afirmou Guterres.
De acordo com estimativas da ONU, até 2050, poderá haver mais plástico no mar do que peixe.
Do ‘super ano’ à ‘super ação’
Neste contexto, o Secretário-Geral acredita que o mundo deu alguns passos importantes para corrigir o curso no ano passado.
Esses avanços incluíram um “acordo histórico” em Nairóbi para negociar um tratado globalmente vinculativo para controlar a poluição plástica, a ONU Conferência dos Oceanos em Lisboa, onde os países assumiram centenas de novos compromissos e promessas voluntárias, e na ONU Conferência sobre Biodiversidade em Montreal, isso terminou com os países concordando com uma meta de proteger 30% dos ecossistemas terrestres, aquáticos, costeiros e marinhos até 2030.
“Alguns chamaram 2022 de ‘super ano’ do oceano. Mas a corrida está longe de terminar. Precisamos fazer de 2023 um ano de “super ação”, para que possamos acabar com a emergência oceânica de uma vez por todas”, observou Guterres.
Para o chefe da ONU, o mundo precisa de uma ação urgente de quatro maneiras fundamentais: indústrias marítimas sustentáveis; prestar um apoio maciço aos países em desenvolvimento; vencer a corrida contra um clima em mudança; e, por último, implantar a ciência, a tecnologia e a inovação a uma escala sem precedentes.
Voltando ao setor financeiro, Guterres disse que “os países em desenvolvimento são vítimas de um sistema financeiro global moralmente falido, projetado pelos países ricos para beneficiar os países ricos”.
“O viés é embutido no sistema. Rotineiramente nega aos países em desenvolvimento – particularmente aos países vulneráveis de renda média e aos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, como Cabo Verde – o financiamento concessional e o alívio da dívida de que precisam”, argumentou.
Para combater as mudanças climáticas, Guterres pediu às indústrias oceânicas que sigam o exemplo da Ocean Race e limitem suas pegadas de carbono. Como exemplo, ele disse que o setor de transporte marítimo deve se comprometer com emissões líquidas zero até 2050 e apresentar planos confiáveis para implementá-lo.
Encerrando o evento, o chefe da ONU participou de uma cerimônia Relay4Nature, recebendo um bastão, que começou a viajar pelo mundo em maio de 2021, passando de mão em mão, de um defensor do oceano para outro, como um apelo simbólico aos líderes mundiais para aumentar radicalmente suas ambições de proteger os mares.
A iniciativa começou com o Enviado Especial da ONU para o Oceano, Peter Thomson, foi então passado o ‘Bastão da Natureza’ para políticos como o presidente francês Emmanuel Macron, celebridades como Jason Momoa, e chegou a Cabo Verde de barco, desde Alicante, em Espanha, pelas mãos de Boris Herrmann, o capitão da Equipa Malizia.
Enquanto segurava o icônico bastão, o secretário-geral disse que ele representava “uma geração que falhou em grande parte nos oceanos”.
Antes de entregá-lo a Odara dos Santos Brito, estudante do Liceu Jorge Barbosa, em São Vicente, Guterres disse estar “muito, muito grato” por poder dá-lo a uma geração em que confia para “reverter os erros que fizemos, resgatar os oceanos, derrotar as alterações climáticas, resgatar o planeta e resgatar-nos a todos”.
Aceitando o bastão, o jovem cabo-verdiano não vacilou. “Aceitamos esse compromisso”, disse ela.