Brasília – Uma investigação iniciada em agosto de 2021 envolvendo o então presidente Jair Bolsonaro e seu ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, tornou-se um elemento chave para a Polícia Federal (PF) no processo de desvendar um esquema de fraude em cartões de vacinação. A quebra do sigilo das mensagens de Cid não apenas embasou a operação realizada nesta semana, mas também forneceu informações importantes para outras três investigações relacionadas ao oficial do Exército.
A autorização para acessar os serviços de armazenamento em nuvem usados por Cid ocorreu no inquérito que investiga Bolsonaro pelo vazamento de uma investigação da PF. Com base nesses dados, os investigadores solicitaram o indiciamento do militar em dois inquéritos distintos e abriram outras duas investigações, uma das quais culminou na prisão de Cid.
O diretor-geral da PF, Andrei Passos, afirmou que a análise de mensagens armazenadas em serviços de nuvem permitiu identificar a possível fraude, agora considerada real. A partir dessa descoberta, a investigação sobre fraude nos cartões de vacinação teve início no Rio de Janeiro.
Tempestade de inquéritos cai sobre Bolsonaro
Vazamento do inquérito que investigava ataque hacker ao TRE
No dia 4 de agosto de 2021, em meio a ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o então presidente Jair Bolsonaro divulgou um inquérito da PF investigando um ataque hacker ao sistema da Corte Eleitoral, com o intuito de colocar em dúvida a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. Bolsonaro leu trechos do inquérito durante uma entrevista e, posteriormente, publicou o documento integralmente em suas redes sociais.
Dias após a divulgação, os sete ministros do TSE enviaram uma notícia-crime ao STF, solicitando a abertura de uma investigação contra Bolsonaro. O ministro Alexandre de Moraes aceitou o pedido, argumentando que o inquérito divulgado continha informações sigilosas sobre o órgão.
Quebra de sigilo de Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro
Durante a investigação, a PF encontrou indícios da participação de Cid no vazamento do inquérito. Como resultado, houve a quebra do sigilo telemático do tenente-coronel em janeiro de 2022, incluindo dados armazenados nos serviços de nuvem Google Drive e iCloud. Cid teria sido o responsável por publicar o conteúdo do inquérito na internet para que Bolsonaro o divulgasse.
Com base nesses dados, a PF indiciou Cid por violação de sigilo funcional por ajudar Bolsonaro a divulgar a investigação. Segundo a corporação, Cid, “na condição de funcionário público, revelou conteúdo de inquérito policial que deveria permanecer em segredo até o fim das diligências”.
Provas compartilhadas
Na análise das mensagens em fevereiro de 2022, a PF encontrou indícios de que Cid esteve envolvido em outro caso investigado: a declaração de Bolsonaro sobre uma relação falsa entre a vacina contra a Covid-19 e a Aids. Por isso, a PF solicitou o compartilhamento da quebra de sigilo com esse inquérito. “O acesso autorizado judicialmente ao conteúdo de dados armazenados em serviço de nuvem utilizado por Mauro César Barbosa Cid aponta a participação de Mauro Cid em outros eventos (…) também destinados à difusão de notícias promotoras de desinformação da população”, afirmou a PF.
Além disso, foi solicitado o compartilhamento de todo esse inquérito com outra investigação, que apura a atuação de uma suposta milícia digital. Ambos os pedidos foram aceitos por Moraes, relator dos três inquéritos, em fevereiro do ano passado.
Alexandre de Moraes autoriza quebra de sigilo Bancário
Durante a análise das mensagens, a PF encontrou conversas suspeitas sobre transações financeiras realizadas por Cid. A quebra do sigilo bancário foi solicitada e autorizada por Moraes em setembro de 2022. A decisão foi revelada em setembro pelo jornal Folha de S.Paulo, causando grande irritação em Bolsonaro.
Em janeiro, o portal Metrópoles informou que a investigação avançou e há suspeita de que Cid operava um “caixa paralelo” no Palácio do Planalto. O caso permanece sob sigilo.
Mauro Cid é indiciado novamente
Com base nas mensagens obtidas na quebra de sigilo, a PF pediu, em dezembro de 2022, o indiciamento de Cid por incitação ao crime, por estimular as pessoas a não utilizarem máscaras, e pela contravenção penal de “provocar alarme ou perigo inexistente” ao associar vacina e Aids. Segundo a PF, Cid produziu as informações falsas que foram divulgadas por Bolsonaro em transmissões ao vivo.
“Mauro Cesar Barbosa Cid, de forma direta, voluntária e consciente, produziu textos inverídicos, a partir de material coletado na rede mundial de computadores, desvirtuando os conteúdos constantes das fontes de informação por ele utilizadas, com vistas a serem divulgados pelo presidente da República em sua ‘live’ semanal”, diz o relatório.
O inquérito da fraude em cartão de vacinação
Ao analisar as mensagens de Cid, a PF encontrou os primeiros indícios do esquema de fraude em cartões de vacinação. O caso passou a ser investigado no inquérito das milícias digitais. Em dezembro, a PF enviou um primeiro relatório relatando uma operação para fraudar um comprovante de vacinação para a esposa do militar.
Investigações podem avançar ainda mais
Na trama de informações encontrada pela Polícia Federal e com a continuidade da investigação, novos casos de fraude foram descobertos, incluindo os de Bolsonaro e outros auxiliares próximos. Em abril, a PF pediu a prisão de Cid e outras cinco pessoas, alegando que eles fazem parte de uma associação criminosa envolvida no esquema de fraude em cartões de vacinação.
Na operação, foi apreendido o aparelho celular do ex-presidente Bolsonaro, que deve passar por perícia. A PF avança sobre mais informações. Além disso, a Polícia Federal encontrou uma quantidade de dinheiro vivo na residência de Mauro Cid – a origem do dinheiro deve ser objeto de investigação pelas autoridade.
Em pouco mais de um ano, vários inquéritos foram relevando informações e levando a outras investigações. Uma trama que pode levar à queda de um ex-presidente da República e redesenhar o cenário político brasileiro num país que continua polarizado.