Joana Gurgel Holanda Filha está à frente da Secretaria Executiva de Atenção à Saúde e Desenvolvimento Regional
Quando uma mulher avança, todas avançam. A máxima guia a luta de mulheres ao longo da história. Na semana do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) inicia a série de entrevistas Juntas somos mais fortes, cujo título também nomeia a campanha que reunirá atividades na pasta e em suas unidades vinculadas ao longo de todo este mês.
A iniciativa celebra a aliança, o apoio e a representatividade de mulheres no Sistema Único de Saúde (SUS), evidenciando o legado delas na assistência à saúde no Estado. O conteúdo destaca, ainda, o percurso de união entre mulheres vivido pela titular da Sesa, Tânia Mara Coelho, e pelas três secretárias executivas do órgão.
A primeira entrevista é com Joana Gurgel Holanda Filha, à frente da Secretaria Executiva de Atenção à Saúde e Desenvolvimento Regional (Seade) da Sesa. A médica especialista em Oftalmologia teve, ao longo de sua vida, exemplos potentes de mulheres que transformaram não só seu olhar, mas que demonstraram as possibilidades de caminhos a serem traçados, com força e objetivo.
Na conversa, Joana se emociona ao rememorar o papel de mulheres obstinadas em sua vida, em especial sua mãe, que sempre incentivou a autonomia e a independência de seus três filhos. Ela destaca, ainda, a importância de ter profissionais como aliadas em sua trajetória, reflete sobre representatividade e desenha seu legado em uma das maiores pastas do Governo do Ceará.
Confira a entrevista
Qual mulher é sua maior referência e por qual motivo?
Joana Gurgel: A minha maior referência é minha mãe, Joana Gurgel Holanda, hoje com 86 anos. Desde a infância, ela me ensinou a ser empreendedora. Cresci brincando de boneca, mas eu tinha o carro das bonecas para levá-las, e minha mãe dizia que elas deveriam trabalhar, não só fazer comida. Cresci sabendo o que era economizar, ter meu dinheiro, minha independência.
Minha mãe tinha 45 anos quando foi fazer o concurso da Polícia Civil. Mesmo vindo do interior cearense e com três filhos, concorrendo com muitos homens, foi aprovada na seleção. Ela me ensinou a ser honesta e falava muito que a coisa que a gente tem na vida é o nome e o respeito pelo outro. Isso me norteia até hoje.
Minha irmã mais velha também é uma grande referência. Eu a considero uma mulher muito inteligente e observadora, e admiro isso nela.
Quando entrei na faculdade, comecei a ter outras referências femininas. As professoras Margarida e Jânia, por exemplo, nortearam-me na Medicina. Sempre muito exigentes, mas, ao mesmo tempo, sempre me ensinando a ser uma profissional melhor.
Quando entrei na Residência em Oftalmologia, percebi que a especialidade era ocupada, prioritariamente, por homens. Quando terminei esse período, virei chefe de Residência, e era a única médica naquele grupo especializado. Também dei aula, sendo a única mulher professora em Oftalmo. Hoje é diferente, há mais mulheres especialistas.
Por fim, mas não menos importante, Tânia Mara Coelho, nossa gestora, também é um exemplo de profissional. Eu e ela somos contemporâneas da Faculdade de Medicina [da Universidade Federal do Ceará] e nos aproximamos bastante durante a pandemia da covid-19. Então, quando veio a primeira onda, a gente passou seguidas madrugadas discutindo os casos. Foi uma luta que nos uniu até hoje.
Para você, o que significa “ser responsável pela sua carreira” e como ser mulher atravessa essa questão?
J.G: Quando somos responsáveis pela nossa trajetória profissional e pela independência financeira, a gente passa a ter liberdade. Eu acho que isso é o fator mais forte. Além disso, existem oportunidades, as possibilidades surgem, e isso se transforma em engrandecimento profissional de uma forma mais leve e fácil. Eu me programei para isso. Quando terminei a faculdade, decidi que não iria depender financeiramente de ninguém, então, estudei um tempo, economizei para fazer uma residência e me dedicar. Ser responsável pela carreira é ter liberdade de escolha.
Também acho que essa questão passa pelo etarismo. Hoje temos, por exemplo, a professora Vaudelice Mota, também secretária executiva da Sesa, que continua entregando um trabalho primoroso e, como ela diz, “no apagar das luzes” ainda encarou o desafio de se entregar e se dedicar à gestão da Saúde Pública. Essa liberdade de escolha e empoderamento em relação à carreira também acontece nesse momento da vida e em qualquer outro.
Quando falam de uma mulher que envelheceu, não mencionam as suas entregas, as suas bagagens e tudo que foi construído ao longo de sua vida, mas limitam-se a fatores estéticos.
Em sua trajetória profissional, estar aliada a outras mulheres fortaleceu seu percurso? Como?
J.G: Observo que tentam ao máximo que a gente rivalize umas com as outras. “A fulana é mais aquilo que beltrana”. Isso é muito ruim. A gente tem de se apoiar e ter admiração por outras mulheres. Essa reflexão sobre as minhas referências femininas traz esse destaque. Então, quando criamos esse elo, é muito forte e transformador.
É interessante também porque, às vezes, a gente só cruza o olhar com outra mulher, mas, na realidade, dentro daquela troca, há muito mais sendo compartilhado. São páginas de conversa. Temos essa sensibilidade que traz compreensão e nos unifica.
Você lembra algum momento marcante em que seu trabalho foi legitimado por outra mulher e isso otimizou o resultado?
J.G: Na pandemia, essa movimentação foi crucial. Esse período, tão doloroso e difícil para todos, foi uma virada de chave na minha vida. Não só as mulheres que estavam na gestão durante minha trajetória profissional, mas os corpos técnicos que atuavam diariamente naquele contexto. As mulheres da Regulação e várias outras colegas médicas que estavam ao meu lado lutando pela vida dos nossos pacientes.
“A gente tem de se apoiar e ter admiração por outras mulheres. Essa reflexão sobre as minhas referências femininas traz esse destaque. Então, quando criamos esse elo, é muito forte e transformador.”
Essa aliança fortaleceu meu trabalho, que acontecia 24 horas por dia, sete dias na semana. A gente se apoiava e se ajudava de forma constante e diária.
A Sesa tem, em sua maioria, um corpo de colaboradores composto por mulheres – especialmente à frente de coordenadorias e células. Que representatividade você almeja disseminar para elas?
J.G: Eu queria destacar o trabalho das diretoras das unidades hospitalares. Temos diretoras que têm uma força imensurável nesses locais e que são representações importantes para outras gestoras. Alegra-me muito estar trabalhando em colaboração com outras mulheres, tanto nas unidades como no Nível Central da Sesa. Minha equipe é composta por mulheres fortes, de visão. Fico feliz que o serviço de saúde tenha uma participação tão forte de todas nós.
Acho que eu tenho um perfil leve de lidar e isso pode ser um fator importante a ser repassado. Sou proativa, entrego-me muito ao serviço e acredito que as pessoas só podem trabalhar com você quando acreditam no projeto que será entregue. A gente tem um objetivo em comum: melhorar a qualidade de vida e a saúde da população cearense. Quando nossos perfis se somam e têm o mesmo objetivo, isso é fortalecedor. E toda a nossa equipe trabalha de forma integrada.
Além disso, sou uma pessoa que está à disposição. Escuto, acolho e sou aberta a ouvir novas ideias. Ter um foco é importante, mas escutar é ainda mais.
A equipe da Assessoria da Seade é toda composta por mulheres
Hoje temos diferentes legislações que fortalecem e protegem os direitos das mulheres. Em relação à Saúde da Mulher, que demandas precisamos estar atentas e sensíveis para garanti-los?
J.G:Desde o nascimento precisamos priorizar a atenção e o cuidado com essas mulheres. Garantir um pré-natal de qualidade, o direito à licença-maternidade e à higiene, por exemplo. Garantir o apoio durante o período menstrual, com disponibilização de absorventes. Desmistificar essa etapa, dizer que há dor; compreender essas mulheres e não taxá-las de frágeis.
Ouça: O importante é ter saúde #22: Pobreza menstrual, uma questão de saúde pública
Devemos incentivar o autoconhecimento, a autoaceitação, o combate ao sedentarismo; precisamos garantir os direitos da infância, o acesso à imunização, à alimentação de qualidade. Temos de trabalhar mostrando que esses direitos existem e reivindicá-los.
Depois de quase 30 anos, temos novamente uma mulher à frente da Secretaria da Saúde do Ceará e mais três executivas. Como você avalia esse protagonismo e a soma de esforços?
J.G: Quando eu vejo mulheres fortes em cargos de gestão, há uma luz sobre elas. Nós somos bem integradas. Lembro-me que Tânia foi secretária executiva [também de Atenção à Saúde e Desenvolvimento Regional]. Ela sempre falava para mim que tinha um bom relacionamento com as outras gestoras. Sempre existiu essa visão, e isso é importantíssimo. Quando vemos, por exemplo, em reuniões de municípios, com a maioria das representantes das secretarias municipais sendo mulheres, é fortalecedor.
“Desde o nascimento precisamos priorizar a atenção e o cuidado com essas mulheres. Garantir um pré-natal de qualidade, o direito à licença-maternidade e à higiene, por exemplo.”
O olhar delas é diferenciado e essa soma de esforços resulta num trabalho magnífico. Vejo com extremo otimismo a gestão atual, tanto por ser liderada por uma mulher forte como por ter como aliados, também, dois homens secretários, Tanta [Antônio Silva Lima Neto] e Luiz Otávio. Ambos demonstram grande satisfação em estar ao nosso lado.
Você pensa em deixar um legado na sua gestão? Qual?
J.G: Eu espero que a gente consiga trazer transparência no nosso trabalho; que a gente integre as secretarias; que possamos reduzir as filas de cirurgia e levar mais saúde para a população, de forma a colaborar, ao máximo, com os municípios. Que a gente inove na nossa gestão. Que a nossa população tenha acesso às vacinas, que a telemedicina avance no Estado e que consigamos trazer mais modernização para a Saúde.
Almejo a efetivação do acesso à saúde, desde o atendimento no posto de saúde à saída da Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Quero que a gente fortaleça, principalmente, a atenção primária. Eu almejo muito, mas precisamos de parcerias para que tudo dê certo. E, com mulheres, esse elo faz-se ainda mais forte.