Nos últimos onze anos, o número de mulheres médicas quase dobrou no Brasil. Em 2011, a categoria contava com 141 mil profissionais do sexo feminino, número que passou para 260 mil em 2022. Os dados são do estudo Demografia Médica no Brasil 2023 e revelam, ainda, que até o próximo ano, as mulheres serão maioria entre os médicos do país, com percentual equivalente a cerca de 50,2% da categoria profissional.
De acordo com a pesquisa, o fenômeno já vinha sendo observado desde 2009, junto aos egressos da graduação e os novos registros em Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). A perspectiva é continuar nos próximos anos, com previsão, segundo o estudo, que entre 2023 e 2035 ocorra um crescimento previsto de 118% de mulheres médicas, enquanto, entre os homens, o aumento será de 62%.
Os dados representam um avanço importante, alcançado graças ao esforço de milhares de profissionais que lutam, diariamente, para conquistar posições antes mais restritas ao sexo masculino. O próprio Ministério da Saúde, criado em 1953, nesta nova gestão do governo federal, tem pela primeira vez uma mulher no comando da pasta: a cientista e pesquisadora Nísia Trindade.
Apesar do avanço da representatividade médica, a distribuição de renda ainda é desigual. A pesquisa Demografia Médica, produzida em parceria entre a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), revelou que as médicas brasileiras chegam a ter um rendimento médio anual 36,3% inferior aos homens, conforme dados das declarações prestadas à Receita Federal no ano-base de 2020.
Conforme esse “raio-x”, a discrepância financeira apontada na declaração do Imposto de Renda ainda pode ter sido agravada pela composição com outras fontes de renda, apresentadas predominantemente pelos homens, o que pode estar relacionado a questões estruturais, como os obstáculos que as mulheres enfrentam para ingressar, permanecer no mercado de trabalho e ainda adquirir outras fontes de dinheiro/ganho/lucro.
Essa é uma desigualdade constatada em outros levantamentos que analisam as diferenças por gênero, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e o Inquérito Nacional com Médicos, que reforça a maior probabilidade de homens receberem remuneração superior do que as mulheres na medicina no Brasil, “sendo que as diferenças tendem a persistir mesmo com ajustes por especialistas e carga horária”.
Especialidades e gênero
A pesquisa ainda avaliou o percentual de homens e mulheres em cada especialidade médica. O primeiro ponto é que os homens são maioria em 36 das 55 especialidades reconhecidas pela Comissão Mista de Especialidades — composta por representantes da Comissão Nacional de Residência Médica, Conselho Federal de Medicina e Associação Médica Brasileira —, enquanto as mulheres predominam em 19 delas.
Em urologia, ortopedia e traumatologia, e neurocirurgia, por exemplo, os homens representam mais de 90% entre os especialistas, ou seja, o equivalente a 33, 12 e 9 médicos para cada médica, respectivamente, em cada especialidade. As mulheres são minorias também em todas as especialidades cirúrgicas, como cirurgia geral, em que correspondem menos de 25% do total de especialistas.
O setor com maior representatividade feminina é a dermatologia, com 77,9% de mulheres. Outras especialidades com grande proporção são pediatria (75,6%), alergia e imunologia, e endocrinologia e metabologia, ambas com 72,1%. Ginecologia e obstetrícia, geriatria, hematologia e hemoterapia e genética médica tem, pelo menos, 60% de representatividade das mulheres.
Enquanto isso, nutrologia, medicina física e reabilitação, assim como gastroenterologia, estão proporcionalmente equilibradas entre os sexos masculino e feminino.
Qualidade da formação
Além das questões de gênero, o estudo elaborado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação Faculdade de Medicina (FFM), Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e Ministério da Saúde, destacou a importância de se atentar à qualidade da formação e à distribuição dos médicos e médicas no território.
Coordenador da pesquisa, Mário Scheffer, professor livre-docente do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, defende que o estudo é uma possibilidade de fornecer evidências científicas e resultados úteis na tomada de decisão e planejamento de políticas públicas. “A Demografia Médica é um estudo complexo que percorre todos os aspectos de formação, de graduação, especialização e residência médica, além de pontos como mercado de trabalho e inserção destes profissionais no sistema de saúde”, observa o professor.
Na análise do professor, os dados podem ser um importante guia na estruturação de políticas públicas para os próximos anos. A pesquisa, na última semana, foi apresentada em reunião à Ministra Nísia Trindade, e ao Ministro da Educação, Camilo Santana.
Durante o encontro, Nísia ressaltou como o levantamento é fundamental e frisou o comprometimento com a valorização da saúde no país. Os dois ministros aproveitaram para anunciar a criação de uma Comissão Interministerial para Gestão da Educação na Saúde visando fortalecer a ciência, tecnologia, e a inovação, pautas comuns aos dois ministérios.
Edis Henrique Peres
Ministério da Saúde