Atividades ocorrem nos dias 14 e 15 de fevereiro com foco em pacientes, familiares e profissionais de saúde
Instituído há menos de 15 meses, o Dia Nacional da Criança Traqueostomizada, comemorado no dia 18 de fevereiro, amplia as discussões sobre o tema e incentiva a promoção de ações de conscientização sobre os cuidados necessários às crianças e suas especificidades. A traqueostomia é um procedimento cirúrgico, no qual é feita uma abertura frontal na traqueia do paciente.
O Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), equipamento vinculado à Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), sensível às demandas que chegam à unidade, vai realizar, pela primeira vez, nos dias 14 e 15 de fevereiro, uma programação para debater o tema. As atividades são destinadas a pacientes, familiares e profissionais de saúde.
Na terça-feira (14), a partir das 8h, o Bloquinho Traqueo Folia animará a manhã das crianças que estão nas unidades de internação. A agenda também contará com o painel “Cenário atual do manejo da criança traqueostomizada no Ceará”, realizado para profissionais de saúde na Unidade de Cuidados Prolongados (UCP), às 10h. Já na quarta-feira (15), a partir das 13h, pacientes do ambulatório receberão um bloco carnavalesco.
“Crianças traqueostomizadas existem e nós precisamos falar sobre como é essa realidade na vida das famílias. A data surge justamente para reforçar a sensibilização da sociedade, de familiares e de profissionais de saúde acerca do manejo e do cuidado com esse público”, explica um dos organizadores do evento, o coordenador do Serviço Especializado em Estomias, Feridas e Incontinências (Seefi) do Hias, Dielson Alves de Sousa.
A iniciativa é do Serviço de Vias Aéreas Pediátricas, cujo trabalho é multidisciplinar, de apoio assistencial e educativo ao cuidador e à criança com doenças respiratórias. Otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos, cirurgiões, além de profissionais de outras especialidades integram o serviço. Desde junho de 2021, as trocas de cânulas das traqueostomias passaram a ser realizadas no ambulatório.
“Com o contexto pandêmico, verificamos que muitas crianças foram prejudicadas com a falta da manutenção das traqueostomias, antes feita somente nas salas cirúrgicas. Com isso, reavaliamos o fluxo e compreendemos que os procedimentos de limpeza, de troca das cânulas e de tantas outras etapas necessárias poderiam ocorrer dentro do ambulatório”, avalia a cirurgiã pediátrica e membro da equipe, Monika Nishikido.
Monika Nishikido (esquerda) e Débora Lima (direita) são profissionais atuantes no Serviço de Vias Aéreas Pediátricas
Para Débora Lima, médica otorrinolaringologista atuante no grupo especializado, pautar e desmistificar a traqueostomia é necessário para fazer com que a população compreenda que não há uma sentença ao utilizar o dispositivo. “Pelo contrário. Por vezes, o procedimento é responsável por salvar a vida da criança. Então, a população tem de saber que não há uma sentença e que, inclusive, essa situação pode ser reversível. Precisamos lembrar da existência dessas crianças e da necessidade de uma atenção especial”.
Dielson Alves de Sousa é estomaterapeuta e acompanha 102 crianças traqueostomizadas
No Hias, são 102 crianças acompanhadas no Seefi. A cada três meses, é feita a manutenção do cuidado dos dispositivos. “Iniciamos as atividades do ambulatório com 23 pacientes. Esse aumento demonstra um compromisso no fluxo assistencial. Aqui, realizamos o monitoramento desses casos e fornecemos educação em saúde a cuidadores, quando numa situação de alta hospitalar”, acrescenta Dielson Alves de Sousa.
Unidade de Cuidados Prolongados
Essa atenção também é presente na UCP. O local acolhe crianças e adolescentes com condições crônicas complexas, cujos tratamentos exigem longos períodos de internação e impactam na rotina de suas famílias.
Cinara Neves é coordenadora médica da UCP, onde cerca de 80% de pacientes são traqueostomizados
A coordenadora médica Cinara Neves afirma que cerca de 80% dos casos na Unidade são de crianças traqueostomizadas. “Temos contextos diferentes de pacientes com essa condição: crianças que tiveram um surto agudo, que passaram por ventilação prolongada e agora necessitam do dispositivo; pacientes que já nascem com alguma patologia que limita ou dificulta o desenvolvimento”, exemplifica.
Internada na UCP, a pequena Maitê precisou ser traqueostomizada com apenas dois meses de idade
Este último exemplo é o caso da pequena Maitê, de três meses. “Ela nasceu com as perninhas levantadas. Precisou ser reanimada. Eu percebia que ela se esforçava muito para respirar”, relembra Alina Pacheco, mãe da recém-nascida. No segundo mês de vida, a menina precisou ser traqueostomizada.
O procedimento foi uma surpresa para a jovem de 25 anos. “Eu entrei em choque, porque é algo que eu não esperava e sequer conhecia. Mas hoje está sendo tranquilo, faço tudo com ela e fico mais serena vendo que ela está conseguindo respirar no tempo dela”, celebra Pacheco.
No caso de Lorran, a traqueostomia foi uma alternativa necessária para salvar sua vida
A traqueostomia pode ser sinônimo de vida. Lorran, de oito anos, foi diagnosticado com adrenoleucodistrofia, uma doença genética rara que afeta o sistema nervoso. Thamires Martins conta que seu filho tinha crises severas de dor e precisou usar medicamentos para minimizar os impactos.
“Ele passou 15 dias na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e, quando foi necessário extubar, não reagiu como esperado. A traqueostomia, então, surgiu como solução. Antes, eu tinha muito medo; hoje, é tranquilo pra mim. Faço a aspiração, manuseio para limpeza… Já faz parte da nossa rotina”, diz Martins, de 31 anos.
Angélica Alves é mãe de Maria Letícia, diagnosticada com atrofia muscular espinhal tipo 1
O receio e a insegurança são sentimentos comuns quando mães e pais são informados de que os filhos precisarão de traqueostomia. Essas sensações foram compartilhadas por Janaína Oliveira, mãe de Maraisa, de quatro anos, diagnosticada com epilepsia de difícil controle, e por Angélica Alves, mãe de Maria Letícia, de um ano, com atrofia muscular espinhal (AME).
Para Alves, o procedimento, em meio ao diagnóstico da filha, fez com que a menina tivesse um resultado significativo. “Eu sou bem sincera em dizer: foi uma qualidade de vida. Quando a vi com aquela ‘ferramentinha’ no pescoço, mas com o rosto iluminado e reagindo, foi como se ela tivesse nascido novamente”, rememora.
Janaína Oliveira recebeu educação em saúde no Hias e já consegue administrar o traqueóstomo de Maraísa
Janaína Oliveira complementa: “Eles me ensinaram tudo, acompanharam, e hoje eu faço sozinha o necessário para a manutenção do traqueóstomo da minha filha”.
Assistência Ventilatória Domiciliar e Assistência Domiciliar
Além do Seefi, outros dois programas do Hias atuam junto a pacientes traqueostomizados. O primeiro, de Assistência Ventilatória Domiciliar (PADV), busca otimizar leitos de UTI pediátrica e melhorar a qualidade de vida dos pequenos em casa. Iniciado em março de 2005, o projeto atende, em sua maioria, crianças dependentes de ventilação mecânica invasiva.
“A gente trabalha com atenção domiciliar especializada. De segunda a sexta-feira, realizamos essas visitas, conforme as rotas. A periodicidade depende da situação do paciente e do perfil do profissional. Contamos com o serviço de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais e nutricionistas. Temos também uma cirurgiã para realizar a troca dos traqueóstomos no domicílio”, detalha Cristiane Rodrigues, coordenadora médica do PADV.
O Programa de Assistência Domiciliar (PAD), com quase 23 anos de atividade, também presta assistência multidisciplinar a crianças e adolescentes em domicílio. A estratégia trabalha com reinserção de pacientes sob cuidados especiais no contexto familiar e no convívio social.