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Cabo Verde ‘na linha da frente’ da crise climática, diz Guterres antes da Cimeira dos Oceanos

Cabo Verde 'na linha da frente' da crise climática, diz Guterres antes da Cimeira dos Oceanos

A resposta remonta a 2015, quando o Governo nacional detalhou um plano estratégico sobre a forma como o economia azul seria uma parte central do futuro da nação insular, bem como de uma série de investimentos que foram feitos desde então.

Mas esta noite, olhando para quase uma dúzia de barcos que participam na Ocean Race atracados no porto do Mindelo, com os seus mastros de 10 andares a cortar o céu acima da ilha de São Vicente, Guterres foi testemunha de uma das recompensas mais visíveis desta aposta.

O secretário-geral chamou a economia azul de “uma oportunidade fundamental para promover o desenvolvimento sustentável no arquipélago” e disse que a ONU espera trabalhar com seu governo e povo para “traduzir essa ambição em realidade”.

O primeiro-ministro de Cabo Verde, José Ulisses Correia e Silva, disse que o seu país quer ser “mais conhecido e ter mais relevância” na cena internacional, sendo o Oceano o setor onde querem que a sua voz seja ouvida.

“Faz sentido nos posicionarmos nessa área específica e fazê-lo com relevância. Faz sentido que essa mensagem esteja vindo daqui”, disse.

Nos últimos cinco anos, no âmbito deste esforço, o país tem realizado todos os anos uma ‘Semana dos Oceanos’ e, na próxima segunda-feira, Cabo Verde está em parceria com a Ocean Race para realizar uma cimeira que contará com oradores de todo o mundo, incluindo o Secretário-Geral.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, participa numa série de debates com José Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro de Cabo Verde.
ONU Photo/Mark Garten

Uma ameaça existencial

O empenho de Cabo Verde pode não ser suficiente. Como Guterres alertou, o país está “na linha de frente de uma crise existencial” – a mudança climática.

“A subida do nível do mar e a perda de biodiversidade e ecossistemas representam ameaças existenciais para o arquipélago”, explicou. “Estou profundamente frustrado que os líderes mundiais não estejam dando a esta emergência de vida ou morte a ação e o investimento necessários.”

Algumas dessas consequências já podem ser sentidas no porto que sedia a Corrida, uma das melhores de toda a costa oeste da África, a razão pela qual atraiu mercadores e piratas séculos atrás e agora acolhe o maior desafio da vela ao redor do mundo.

Nos últimos anos, os pescadores de Cabo Verde notaram uma queda na captura da cavala preta, um dos peixes mais populares entre os habitantes locais. Em 2022, a indústria de embalagens registrou redução na captura de atum e ausência de cavala preta, matéria-prima para a indústria.

De acordo com os resultados preliminares de uma avaliação liderada pela ONU que deverá ser apresentada e discutida com as principais partes interessadas nacionais no início deste ano, até 2100, a biomassa de grandes peixes pelágicos – aqueles que vivem na zona pelágica das águas oceânicas ou lacustres, não estando nem perto do fundo nem perto da costa – como a albacora, uma espécie de atum, espera-se que diminua em até 45%. Na vizinha bacia senegalo-mauritana, a redução será ainda maior.

Mudanças como esta podem ter um impacto profundo na economia das ilhas. Em 2018, o setor pesqueiro proporcionou emprego a 6.283 pessoas e foi uma pedra de toque na dieta da população de 588.000. Esses produtos também representaram quase 80% das exportações do país.

“As alterações climáticas são uma ameaça óbvia ao futuro da pesca, mas também a toda a biodiversidade”, disse o secretário-geral no final da noite, ao participar na série de oradores promovida pelo primeiro-ministro, no Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design de Cabo Verde.

“O fato é que há uma conexão muito clara entre a indústria pesqueira e a proteção do clima. A experiência tem mostrado que quando você protege uma determinada região, isso tem um efeito multiplicador em outras áreas, e todos se beneficiam”, acrescentou o secretário-geral.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, junta-se a José Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro de Cabo Verde, na visita ao recinto da Oceans Race.
ONU Photo/Mark Garten

Lutando contra

Os dois homens sentaram-se contra uma extensão do Centro Nacional, sua fachada coberta pelas formas circulares de tampas de barris de petróleo pintados em cores primárias.

A instalação é uma instrução sobre o o compromisso do país com a sustentabilidade, mas também um aceno à sua grande diáspora de mais de um milhão de pessoas; esses barris são frequentemente usados por imigrantes para enviar presentes para suas famílias.

“Os desafios climáticos estão a ficar mais fortes e mais frequentes, mas sempre enfrentámos dificuldades e sempre encontrámos uma forma de as ultrapassar”, disse o primeiro-ministro.

Segundo Correia e Silva, a perda de espécies pode afetar Cabo Verde de outra forma.

O arquipélago tem sido considerado um dos 10 principais hotspots de biodiversidade marinha do mundo e, durante décadas, as 24 espécies de baleias e golfinhos registradas nessas águas – quase 30% de todas as espécies de cetáceos – atraíram muitos dos visitantes que fazem do turismo um reduto da economia do país.

Só em 2022, depois de alguns anos dominado pelo COVID-19 Na pandemia, as ilhas receberam perto de 700 mil turistas, elevando a contribuição do setor para cerca de 25% do seu PIB.

Secretário-Geral António Guterres realiza conferência de imprensa conjunta em Cabo Verde com o primeiro-ministro José Ulisses Correia e Silva
ONU Photo/Mark Garten

Justiça climática para Cabo Verde

Cabo Verde começou a lutar contra estas mudanças.

O secretário-geral disse que o país “mostrou liderança climática em palavras e ações” e destacou os “esforços para converter dívida em projetos climáticos, inclusive na economia azul”.

Até 20 por cento da produção de energia de Cabo Verde vem agora de fontes renováveis – uma das mais altas da África Subsariana – e o objetivo é aumentar o consumo de energia renovável em até 50 por cento até 2030.

O primeiro-ministro disse que seu país precisa “conciliar as necessidades da economia, do meio ambiente, das comunidades” porque precisa “desses recursos produzindo riqueza para o país”.

Correia e Silva partilhou um exemplo de como isso pode ser feito. Na comunidade de São Pedro, na ilha de São Vicente, uma parte da população transitou nos últimos anos da pesca para a prestação de um serviço onde os turistas podem nadar com segurança com tartarugas.

Ele destacou uma série de iniciativas para combater a poluição plástica e promover a economia circular. Ele também lembrou como o país aprovou uma nova lei “exigente” que rege a pesca e está trabalhando para ampliar a área protegida de seis para 30%.

“Queremos ir mais longe, mas precisamos de recursos para fazer isso”, disse ele.

“Precisamos de justiça para aqueles que – como Cabo Verde – pouco fizeram para causar esta crise, mas que estão a pagar um preço elevado”, concordou o secretário-geral.

Quando a conversa chegou ao fim, a poucos quarteirões de distância, no porto, as tripulações da Ocean Race estavam fazendo uma pausa. Em poucos dias, iniciam a segunda etapa da competição, que os levará para fora de Cabo Verde, do outro lado do Equador, pela costa da América do Sul e para a Cidade do Cabo, no extremo sul da África do Sul.

Algumas horas antes, quando os marinheiros se encontraram com Guterres, que compartilhou como seu filho, há apenas alguns anos, se juntou a três amigos em uma viagem de vela cruzando o Atlântico.

Essa história levou um dos capitães, Kevin Schofield, a perguntar-lhe: “Você faria algo assim?”

“Talvez um dia”, brincou. “Quando eu estiver aposentado.”

ONU

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