Noah Adealdo de Freitas Silva, que hoje tem 4 anos, não teve o primeiro carinho característico da mãe logo após o nascimento. A criança nasceu com uma doença rara chamada epidermólise bolhosa, que fragiliza a pele e as mucosas, tornando-as suscetíveis a feridas ao menor toque. O contato afetivo com sua mãe representaria um risco à sua integridade.
“A pele dele é extremamente frágil, tanto na parte externa quanto interna. Bolhas podem surgir espontaneamente no olho, ouvido, nariz, boca e até no esôfago. Se não controlada, ele pode ficar cego, surdo, mudo e perder a capacidade de andar”, explica a mãe, Anne Priscila de Freitas Silva, de 40 anos.
As doenças raras reúnem um grupo de cerca de 7 mil enfermidades, segundo o Panorama para Doenças Raras 2024 da revista científica The Lancet. Embora sejam consideradas raras porque afetam um número relativamente pequeno de pessoas, quando analisadas em conjunto, esses pacientes podem somar 300 milhões de indivíduos. No Brasil, estima-se que 5% da população, equivalente a 10,1 milhões de pessoas, viva com alguma doença rara.
Desafios no diagnóstico e no tratamento
A professora de Educação Física, Tamiris Braz, de 37 anos, é mãe de Beatriz, de 4 anos. A menina foi diagnosticada com a síndrome de Rett, uma doença neurológica que causa regressão no desenvolvimento entre seis e 24 meses de vida.
“Desde que recebemos o diagnóstico, precisei trabalhar mais. Não é só medicação, é também alimentação, transporte para os atendimentos… Tenho que conciliar meu tempo para suprir nossas necessidades financeiras e os tratamentos dela”, relata Tamiris.
A presidente da Associação Maria Vitoria de Doenças Raras (Amavi Raras), Lauda Santos, entende bem o drama das famílias com pacientes raros. Sua filha, Laís, faleceu em 2016, aos 27 anos, em decorrência de uma enfermidade rara. Lauda agora dedica-se a ajudar famílias que enfrentam desafios semelhantes.
“Precisamos de políticas de Estado porque as de governo mudam a cada gestão. Isso causa retrocessos. Em uma década, avançamos, mas ainda há muito a conquistar. É necessário revisar a Portaria 199 para garantir que o Ministério da Saúde cumpra sua parte na entrega de medicamentos e que estados e municípios realizem a triagem neonatal de doenças tratáveis”, destaca Lauda.
A triagem neonatal, conhecida popularmente como “teste do pezinho”, é um exame realizado gratuitamente pelo SUS. Em 2021, uma lei foi aprovada para ampliar a triagem para até 50 doenças, mas a maioria dos exames ainda se limita a sete doenças.
O médico geneticista e diretor da Casa dos Raros, Roberto Giugliani, enfatiza a importância do rastreamento neonatal: “Para várias doenças raras, o sucesso do tratamento depende de ele ser iniciado o quanto antes. Por isso, muitas doenças raras estão incluídas no ‘teste do pezinho’, para que o diagnóstico precoce evite sequelas irreversíveis”.
A acessibilidade aos tratamentos é limitada
As dificuldades encontradas pelas famílias para obter tratamentos e terapias que melhorem a qualidade de vida dos pacientes evidenciam falhas nas políticas públicas. A médica especialista em genética, Maria Teresinha Cardoso, aponta que muitos profissionais da rede de saúde não estão preparados para atender pacientes com doenças raras.
“Alguns pacientes conseguem tratamentos pelo SUS, mas isso é para apenas 5% das doenças genéticas raras. A maioria não tem tratamento, mesmo que seja de suporte. É angustiante estar diante de pacientes que não conseguimos fornecer medicações e terapias adequadas”, lamenta Maria.
André Alves Noronha, de 15 anos, enfrenta o desafio de obter o diagnóstico correto. A primeira suspeita foi de atrofia muscular espinhal (AME), mas a confirmação depende de um exame ainda não realizado, o exoma.
“Muitos médicos precisam estar mais bem preparados para a investigação de doenças raras. Com mais conhecimento, podemos identificar métodos de tratamento mais eficazes”, aponta Marina Alves Noronha, mãe de André.
O impacto nas rotinas das famílias
Anne, mãe de Noah, teve que renunciar à carreira no mercado imobiliário para cuidar do filho. Atualmente, organiza eventos para complementar a renda da família, que inclui mais duas crianças. Noah recebe apenas um salário mínimo do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
“Vivo de doações para bazar e, graças a Deus, estou cercada de pessoas solidárias. Estamos sempre promovendo eventos, como o arraial do Noah, para arrecadar fundos. Conhecemos muitos corações bondosos”, ressalta.
Josiane Eusébio da Silva, mãe de Benjamin Natanael, de 5 anos, também aborda o peso financeiro causado pela doença rara do filho, revelando que deixou de trabalhar para cuidar dele e ainda enfrenta desafios para acessar o BPC.
Judicialização e o papel do Estado
A advogada Andreia Bessa, diretora jurídica da Casa Hunter e da Casa dos Raros, destaca que, apesar dos altos custos dos tratamentos para doenças raras, o Estado deve garantir acesso a todos. “A Constituição Federal assegura que todos têm direito à saúde, mas o que realmente significa? É um direito integral? Sem barreiras?”, questiona.
“O governo deve ser proativo. A judicialização surge porque o paciente raro não pode esperar”, defende Andreia.
A situação se agrava, pois muitas famílias são forçadas a recorrer à Justiça para obter os tratamentos necessários, o que acaba sobrecarregando o sistema judiciário brasileiro.
Todas essas histórias revelam a urgente necessidade de políticas públicas que atendam as demandas das famílias com crianças diagnosticadas com doenças raras. A conscientização e o apoio governamental são fundamentais para melhorar a qualidade de vida desses pacientes e suas famílias.
Como ajudar
Anne e Josiane são membros da Associação de Parentes, Amigos e Pessoas Portadoras de Epidermólise Bolhosa Congênita (Appeb), onde compartilham informações com outros familiares. Para doações, é possível entrar em contato pelo Instagram @appeb_df ou diretamente com Anne pelo telefone (61) 99567-3821.
A luta dessas famílias continua, e o apoio da sociedade é crucial para melhorar a vida das crianças com doenças raras no Brasil.